domingo, 28 de fevereiro de 2021

Especial – Stevie Wonder

Nessa semana, o Programa Rock Night apresenta um especial com Stevie Wonder (1950) que é um cantor e compositor norte-americano. Stevie Wonder é o nome artístico de Stevland Hardaway Morris, natural do estado de Michigan. Em consequência de um problema que levou à degeneração na retina, Stevie ficou cego poucas semanas após seu nascimento. Quando tinha quatro anos de idade, mudou-se com a família para Detroit. Logo começou a cantar e tocar no coral da igreja. Com onze anos assinou um contrato com a Tamla Records, um dos selos da Motown Records, com o nome de Little Stevie Wonder.

O que a gravadora Motown nos deixou como legado foi ter sido a primeira a ser gerenciada por um ousado empreendedor afrodescendente, Barry Gordy, que foi muito bem-sucedido. A Tamla-Motown foi uma das bases para a criação e êxito da Soul Music. Foram centenas de sucessos entre os primeiros colocados nas paradas da Billboard durante os anos 60 e 70. Grandes artistas foram revelados e hoje estão no panteão dos grandes da música, gente como Michael Jackson, Martha and the Vandellas, Smokey Robinson, Lionel Richie & The Commodores, entre outros.

O contrato com a Tamla explorou Stevie até a maioridade. Em 1968, ele se mudou para Los Angeles. Em 1971, a Motown não renovou seu contrato e a partir de então, o compositor lançou dois álbuns independentes, que foram usados como moeda de troca enquanto negociava com a Motown. Logo o selo concordou com seus pedidos de total controle criativo e direitos de suas próprias canções; o contrato de 120 páginas deu a Stevie royalties muito mais altos. Wonder retornou à gravadora em março de 1972 com Music Of My Mind. A partir daí, o compositor e multi-instrumentista alcançou também um novo estágio com o uso criativo e autoral do recém-descoberto sintetizador, emplacando hits como Superstition (1972) e Higher Ground (1973), e letras que refletiam sobre questões políticas, racismo, extrema pobreza.

Enfim, nesse período, do qual trata o programa da semana, Wonder lança cinco discos que hoje são cultuados como a melhor fase de sua carreira, seus álbuns mais influentes na área da música trazendo um novo status para a própria gravadora (que evolui para um período de maior maturidade artística, sem abandonar o sucesso). Depois de Music Of My Mind, Wonder lançou mais quatro bolachas matadoras, Innervisions (1973) que ele considera seu melhor, e Talking Book (1972). No meio dessa estrada, ele sofreu um acidente automobilístico em 1973 e ficou seis meses em coma. Fullfillingness First Finale (1974) foi lançado após a tragédia e mostrou que a criatividade do músico não tinha se abalado.

Em meados dos anos 1970, o músico estava desencantado com a situação política e social nos Estados Unidos. E procurava encontrar condições de trabalho que lhe permitissem desenvolver e concretizar as suas ideias sem restrições. Ele pensava seriamente em abandonar a carreira e a fama global e ir para Gana onde iria cuidar de crianças deficientes. Mas atravessava um período muito criativo, desfrutando de grande e mercecido reconhecimento.

Berry Gordy concordava. Nem sempre a relação com Stevie Wonder tinha sido fácil, mas o fundador e líder da Motown Records não tinha qualquer vontade de perder um dos músicos mais importantes da editora. Argumentou que era absurdo se decidisse virar as costas a uma carreira de enorme sucesso, construída a partir de 1962, já desfrutando com apenas 12 anos, do rótulo de menino-prodígio. O multi-instrumentista que, pelo final da infância, já dominava os segredos do piano, da harmônica e da bateria, não foi fácil de convencer.

Dois anos depois, e com um novo contrato de 37 milhões de dólares, a fartura de criatividade colocou as 21 canções (dentre mais de 200 registradas) de Songs in the Key of Life em um álbum duplo de vinil acrescido de um “EP” com mais quatro músicas. Esse disco é a obra-prima de Wonder. É simplesmente uma maravilha inigualável. O cantor nunca mais conseguiu produzir algo tão significativo.

Os temas eram vários, abordavam o amor (Joy Inside My Tears), a espiritualidade (Have a Talk With God) e o engajamento (Black Man). Muitas se tornaram clássicas como Sir Duke e Isn't She Lovely. O grande número de participações especiais de jazzistas também ajuda a entender o alto nível dos arranjos, feitos para um disco com enorme potencial pop: Herbie Hancock, Dorothy Ashby, George Benson, Bobbi Humphrey, Ronnie Foster.

Essa sequência de cinco álbuns e o que eles têm de melhor será apresentado no programa dessa próxima quarta, 3 de março.




domingo, 21 de fevereiro de 2021

Obras-Primas – “Berlin” – 1973 – Lou Reed

Quando entrou na adolescência, Lou Reed comunicou ao seus pais perfeitamente conservadores, durante um jantar, que era homossexual. A resposta foi colocá-lo em um manicômio onde tomou tantos choques elétricos que perdeu a memória e se esqueceu até de quem era. Isso moldou sua personalidade. Sempre foi conhecido pelo incrível talento literário. Ele fez faculdade na área de literatura e sempre desfrutou de grande status de escritor. Era ensaísta e poeta e um bom letrista de canções. Seus instrumentos sempre foram o violão e a guitarra. Sempre foi terrível nas críticas ácidas e até destrutivas, inclusive com bons amigos e amantes. Logo sua vontade se direcionou para a música. Ele saiu do interior de Nova York e foi morar em Manhattan, conheceu Andy Warhol, entrou no V.U. e o resto é história.

Quando resolveu sair da Velvet Underground, Lou Reed lançou um álbum muito fraco de estreia, mal produzido, com poucas faixas originais de destaque. A gravadora RCA sabia do potencial das canções de Reed e deu-lhe liberdade para contratar o produtor que quisesse. Ele contratou um fã, David Bowie, que junto com seu parceiro, arranjador e brilhante guitarrista Mick Ronson produziram Transformer, o primeiro grande sucesso solo da carreira de Reed.

Acontece, que o cara nunca gostou do sucesso, Freud explica. Lou Reed achava a fama e a adulação coisas fúteis que não combinavam com seu espírito estóico-existencialista. Lou Reed era viciado em “speed”, anfetamina barata de farmácia, e, claro álcool. Basta ver os vídeos de making of de Transformer para ver como para ele foi um pé no saco ter que trabalhar com outros egos. Bowie era respeitado, mas Ronno fica claro que não. A recíproca foi verdadeira.

Transformer espelha musicalmente mais a David do que a Lou. Isso contrasta muito com as letras sombrias e pessimistas do disco, o que torna a interação particularmente vibrante. Mas aquilo não era o lance de Reed. Ele não voltou a trabalhar com Bowie depois disso.

Com a explosão do segundo disco, a gravadora mais uma vez deu carta branca a Reed que contratou um dos melhores produtores do período, o cara que ajudou a criar School’s Out e catapultou Alice Cooper para fama mundial, o “mago” Bob Ezrin. Mais uma vez em Londres, onde ele gravara os álbuns anteriores, Lou, com sua retórica, e fortes argumentos artísticos, conseguiu convencer músicos como Jack Bruce, Steve Winwood e Ainsley Dunbar, os irmãos Becker, além do sempre presente Steve Hunter, a embarcar nessa jornada.

O problema do novaiorquino com drogas e alcoolismo se somou à adição do produtor por cocaína e o clima das gravações foi uma espiral depressiva que poderia ter terminado em morte não fosse a excelência da obra como um todo.

No entanto, Berlin é um álbum conceitual que marca o apogeu da poesia sombria, urbana e decadente que Lou Reed encarna com perfeição. O discurso das ruas das grandes metrópoles. É uma obra duradoura, de rara beleza e que influenciou gerações de roqueiros como Siouxie, Iggy Pop e Ian Curtis. A história é de gente pobre, underground mesmo, em sua medíocre vida nos grandes centros urbanos como Berlim. A linguagem de Reed é direta, cruel como ele, descritiva. Como o cinismo na cultura foi para o mainstream somente com o advento do Punk, sim, esse disco é um precursor, assim com o V.U., é óbvio.

O disco começa com uma explosão de uma colagem de sons urbanos e uma contagem em alemão. Em seguida entra um piano romântico e, bem baixinho, Lou começa a cantar a faixa título. É o encontro do casal. Mas é banal, triste. Deveria ser um momento incrível, mas é triste pois o tema do álbum é justamente esse, como é triste o amor. Não há esperança. O autor se propõe a contar a história desse casal, até o final mais que trágico. O homem rouba os filhos e a mulher se suicida. Coerentemente, a última e épica canção, Sad Song (“Canção Triste”) é alegre e possui um belo arranjo de cordas de Ezrin, fechando o álbum em um clima feliz em que se comemora a derrocada do amor. Bem ao estilo de Lou.

O álbum são aproximadamente 50 minutos de canções que vão se emendando umas nas outras. Após o começo em volume baixo, vem a vibrante Lady Day, uma marcha lenta que começa com um piano e órgão hammond brilhantes e muitas viradas de bateria, que já anuncia as coisas que o homem tem que suportar por estar com uma mulher, sempre num clima de pessimismo e desleixo. O autor usa muito, ao longo da obra, expressões como “Eu não Ligo” ou “Tanto faz”. É o desprezo de Lou Reed pelo amor e pela vida se manifestando. A canção é um clássico absoluto! “And I said No, No, No, Oh Lady Day”, brada o refrão entre fraseados rítmicos e uma harmonia que leva o som a um rock progressivo. É uma música que ilumina o disco de cara. Tem um clima épico e o arranjo realça essa beleza. Um naipe de flautas enfeita as últimas repetições do refrão que acaba em fade out.

Em seguida, Man of Good Fortune traz a guitarra em destaque marcando o ritmo e o baixo de Bruce pela primeira vez em aparecendo bem. É uma música que leva o disco pro lento, mas tem, aparentemente, um clima em tom maior, positivo. Contudo, o amargor continua, com a letra demonstrando uma tremenda desesperança nos homens e na espécie humana em geral, com o dinheiro dominando todas as relações. Ela ironiza o “sucesso”, justamente aquilo que o poeta considera fútil. O refrão termina em fade out de novo.

Entra a vibrante Carolyne Says I que tem o predomínio do baixo de Bruce e da bateria, no começo. Depois o ritmo engrena em algo mais rock’n roll (lembra as bases do Cream), entram coros bowieísticos e orquestrinhas. Mas apesar de toda a alegria, a canção é um relato cínico e pessimista de como as mulheres em geral tratam os homens (Na visão de Lou, claro). A música termina abruptamente, com uma pratada, em plena alegria orquestral.

O baixo em acordes inicia o clássico How Do You Think It Feels. A bateria entra nessa canção lenta e bem Roquenrol. E a guitarra de Steve Hunter aparece brilhante, acompanhada de Metais maravilhosos meio soul, inseridos por Ezrin. Que sonzera! Nesse momento, o solo vem repetindo a melodia do refrão em cima, e respondendo, como em um blues, as chamadas do cantor. Tudo termina em um momento apoteótico com mais um solo genial no fim. Mas a letra é bem sombria. Fala essencialmente em ser um drogado e estar sozinho.

Entra então Oh Jim com metais lembrando os climas Motown e mais um solo de Hunter no final. Começa com a bateria e vai num crescendo. Mas a canção tem uma segunda parte. Lou canta sozinho com um violão, voz e instrumento cheios de reverb, dando oficialmente ao álbum o início da fase esteticamente sombria.

O que seria o início do lado B no vinil é Carolyne Says II. Um repeteco muito mais lento e pouco vibrante em comparação com a primeira edição, e mais destrutivo, como era de se esperar. A barra pesou, o cara começa a bater na mulher e o história descamba totalmente pra uma bad. Mais uma vez só Lou e o Violão emolduram o começo dessa canção, quase acústica. O piano, bateria e baixo só entram mais pra frente. É uma balada arrastada com Reed quase sussurrando a letra. Ainda há a orquestra de cordas no fim. Um momento sutil e belíssimo do álbum.

The Kids conta a história de uma mulher que perde seus filhos e de um homem que se diverte com isso. “They´re taking her children away because the things she did in the streets”. (Eles levaram seus filhos por causa do que ela fez nas ruas). Uma prostituta? Sim, esse é o submundo que Lou tenta pintar. A parte musical é simples, quase básica (como uma música infantil), parece uma canção de ninar. Lou canta baixo e quase falando. Mais uma vez a canção arrasta-se e se impõe como um dos momentos mais tristes do disco. Crianças clamam alto pela mãe em gravações reais inseridas, o que só aumenta o desespero e a ironia. Nessa fase, o baixo domina a música, enquanto brinca de mudar de acorde, subindo e descendo. A canção se arrasta, despida. O lado B vai contrastando propositalmente com o Lado A.

O ápice do disco é The Bed. O lugar onde o casal concebeu seus filhos, a cama, vira palco para o suicídio. Essa é uma canção um pouco diferente. Mais uma vez só o poeta e o violão com acordes que não são usuais de Reed. Ele parece cantar com dor na alma. É realmente muito triste. O "uuu" do final do refrão, cantado em falsete, leva o desespero à última nota emitida por Lou. Um momento real de danação. A sombra da morte, da dor e da desilusão pairam sobre a música criando um clima de depressão real. No final, um clima de mistério, brumas e dissonância. Rumamos para a vibrante canção final.

Reed e Ezrin foram fundo nesse disco. Lou apresentou e heroína para o produtor e ambos se viciaram até os últimos limites. Eles viveram o clima do disco e saíram vivos. O álbum, foi um relativo fracasso comercial, bem o que Lou Reed queria. Mas ele realizou sua grande obra e poucas vezes repetiria tamanha excelência. Para não perder o contrato com a RCA, em seguida, Lou Reed deu à gravadora dois álbuns comerciais que fariam a festa dos executivos (Sally Can’t Dance e Coney Island Baby) e que pra ele sempre vão representar um “tanto faz”. Lou Reed jamais amaria o sucesso. Não naquele momento ao menos.



quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

Memória - "Deu Caimbra e Carreteiro de Charque"

 

Quem teve na vida a chance de ganhar uma coleção completa dos Beatles aos 13 anos? Devo isso a meu pai. Incentivo da família dá um sabor especial à paixão.

Com uma raquete de frescobol como guitarra improvisada me olhava no espelho imitando o John Lennon. Eu parecia mais o John Lennon (Usava óculos redondos), mas queria ser o Paul McCartney. Em breve ganharia um usado baixo Finch Rickenbaker amarelo, meu primeiro instrumento comprado usado do Ex-baixista do Frutos da Crise, o Dudu. Por tabela, convenci meus melhores amigos Alexandre Farina e Fernando Trein a serem os outros Beatles. Um comprou uma Guitarra SG (Giannini) e o outro uma bateria Gope.

Enquanto isso …

… eu ingressava na escola secundária Infante Dom Henrique e conhecia Carlos, Caio, André e Companhia, colegas que gostavam de música, Em uma tarde de sábado ensolarada lá na Cavalhada, que era o fim do mundo na época, na presença de uma guitarra Supersonic vermelha Giannini, uma órgão eletrônico e um experiente músico, Seu Danilo, (pai do Caio) eu assistia a um ensaio dos “Violeiros Desgarrados”. E eles tocavam Two Of Us e I've Got A Feeling do álbum Let it Be. Eu até cantei junto! Quanta emoção. Estava virando músico. Minha cabeça pirou. A música se tornou uma obsessão e comecei a ouvir um monte de outras coisas. Kiss, Queen, Deep Purple, Yes, Jethro Tull, Rolling Stones …

Minha participação no Ensino Médio, pra minha formação como estudante, foi inexistente, mas, para o aprendizado musical foi ótimo. Conheci a Adriana Calcanhotto e seu irmão Claudio, muito antes dela ser famosa. 

Minha Turma de colégio e eu íamos ao Unimúsica na Reitoria da UFRGS, a pé, todas as sextas-feiras e vimos muitos shows de artistas locais de graça, Cheiro de Vida, Raiz de Pedra, Bebeto Alves, Nélson Coelho de Castro, Nei Lisboa, etc. Foram bons tempos de adolescência, os anos 80. Em breve, o Caio desistiria dos Desgarrados por causa de brigas, e formaria uma nova banda, pra tocar somente MPB e Música Gaudéria (é, eu também já bebi disso …), e o nome, esquisito, seria Carreteiro de Charque.

Com formação variável, mas sempre eu de baixista, o grupo fez apresentações no circuito meninodeusense, escolas do bairro (incluindo o Presidente Roosevelt e o Infante Dom Henrique onde cursei os ensinos fundamental e médio, respectivamente). Dividimos o palco com o Canto Terra e com quem mais? Adriana Calcanhoto. Isso mesmo. Saída direto das aulas do Infante, me foi apresentada como uma descoberta da professora Nélia de música. Ela veio até nós e se apresentou cantando Elis e composições próprias, Foi também uma chance de mostrar seu repertório desenvolvido na churrascaria Chama Crioula e no Pub Pecados Mortaes. Chegamos a compartilhar um programa na TVE onde ela fez uma participação especial, afinal, nós éramos mais conhecidos que ela.

Mas minha paixão mesmo era o Rock. Por isso articulei com meus comparsas um grupo que tocasse somente nessa onda. Custou para o seu Fernando Trein teve que comprar uma bateria, que era bem cara. Eu já era um músico experiente (quá,quá) e o Alexandre Farina foi se encarnando na guita e a coisa foi melhorando. Bem no começo, tocávamos com uma caixa de guerra e pratos de banda marcial improvisados como batera. Coisas fáceis claro, Cold Gin do Kiss, e nossa última paixão, O Sabbath …

O nome? Deu Caimbra! Pintamos camisetas e batemos fotos. Na verdade foi só uma foto. Infelizmente, como banda, só restou uma chapa de recuerdo.

Na primeira e única mostra musical do IDH, feita pra romper com os grilhões da ditadura, cantei … “general's gather in the masses ...” Sucesso absoluto. Garotas histéricas, frenesi, fama instantânea na Escola, em nossa quase única apresentação. Ainda faríamos outra na inauguração de um bar na vizinhança. Nos dois anos seguintes comprei um contrabaixo novo, mas acabei parando de tocar por um tempo. Fui trabalhar em loja de discos...

Fernando Trein foi o primeiro a se profissionalizar, comprou a antiga bateria Pearl do Alexandre Fonseca (Cheiro de Vida) e seguiu em frente, tendo aulas com o digníssimo mestre Sílton Tabajara, o Taba, até começar a cursar administração. Hoje é um bem sucedido professor d Marketing da ESPM. O Farina virou jornalista e hoje é assessor parlamentar. Eu e ele ainda acabamos tocando juntos na Hora H durante metade da década de 90.

E a paixão pela música continua, até o fim dos tempos ...

terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

Obras-Primas - "In The Court of The Crimson King" - 1969 - King Crimson

Não há nada igual a King Crimson, é o que devo afirmar. Acho que não há imitadores, seguidores ou desafiadores. A banda, que atualmente mantém os tempos clássicos apenas o líder Fripp, se firmou como um dos grupos mais importantes (e esquisitos) da história do Rock e reina solitária no feudo que ela ajudou a criar, desenvolver e no qual tomou um rumo próprio, não trilhado por mais ninguém.

Começaram tão badalados lá no ano de 1969, mas já diferentes. Ao invés das intensas maratonas rococós-clássicas dos grupos de progressivo, silêncio … e jazz. Improvisações em escalas cromáticas, duelos improváveis entre guitarras e saxofone, poesia intimista e/ou crítica de um membro apenas letrista, Pete Sinfield, e um melotron usado de forma econômica harmonicamente ao mesmo tempo que insistente. Na capa, uma obra prima: expressionismo sideral! Da ira na capa à conciliação no interior, a capa do primeiro álbum marcou época é uma das mais originais e lembradas em pesquisas de melhores frentes de álbuns.

A voz grave e sedutora de um jovem Greg Lake convida o ouvinte a longas viagens pelo interior da mente. Imagens da vida esquizofrênica do homem contemporâneo precedem calmamente a leve sensação de conversar com o vento. Jovens filhas da lua chegam à corte do rei escarlate que é cantada e decantada em uma longa suíte erudita. De cair o queixo e inesquecível. E da vontade de ouvir de novo e de novo, e de tempos em tempos é sempre bom relembrar.  

Essas canções, "Twenty-first Century Schizoid Man" e "I Talk to The Wind", são muito marcantes e uma se opões à outra. A primeira nos presenteia com um número típico, grave, em tom menor, a voz distorcida, melodia quase falada, "...neurocirurgiões clamam por mais na porta venenosa na paranoia, homem esquizofrênico do século vinte e um...", e é assim mesmo! Era o futuro pessimista da peste e da loucura! Que começo marcante. A longa sequência instrumental com os duelos entre sax e guitarra não têm paralelo na hostória do rock, E tão alto, tão berrante, tão revolucionariamente diferente e bizarro.

A segunda, em contraste é poesia soft pura, vocal suave, a flauta predominando, faixa FM!

O Disco segue com um tema prog clássico em partes chamado "Epitaph". Aqui o melotron do Fripp se esbalda com belas texturas e a voz do Greg Lake mostra muita dinâmica entre as partes mais reflexivas. É um tema sem pressa, triste, afinal é um epitáfio em tom menor.

No lado B temos dois temas exuberantes em que o Rei Escarlate prova sua capacidade de surpreender. Um tema típico de Crimson. A voz desaparece depois do enunciado da letra de "Moonchild" ("Filha da Lua" é o título da canção) e a guitarra, a percussão, um piano elétrico e o sax soprano exploram as possibilidades do tempo em uma dinâmica de som baixo, meio silêncio, como um som ambiente. De uma certa forma vai por uma caminho similar àquelas longas viagens ao vivo do Pink Floyd com improvisação e muito ácido. é um tema sutil como uma névoa em noite de lua cheia.

O grandioso final é outro tema em tom menor em que os versos de Sinfield descrevem a corte do rei. São longos versos de 12 sílabas de três em três em cada estrofe que terminam sempre com "In The Court Of The Crimson King ...", o último "iiiing" se estendendo até virar uma vogal mais aberta como "ããã". e o tema segue, em um crescendo em cada final de estrofe. Tudo é muito belo, sempre a voz, o melotron e os backings finalizando as estrofes com muito impacto e dinâmica. Tem um solo de flauta e algum silêncio (outra característica risoniana). Um final perfeito para um disco perfeito que muitos consideram que o grupo jamais foi capaz de superar.

Eu não concordo com isso.
Conheci o grupo bem depois disso e gostei muito.
Esse som me faz coceira no cérebro”, é como eu costumo descrever o Crimson, quando alguém que o desconhece me pergunta algo sobre. “Coceira no cérebro? Ha há há há, como isso é possível?” E eu respondo que é um som que me provoca, me desafia, entorta meu pensamento. Senti isso desde a primeira vez que eu vi na TV lá por 1983 o clip da canção Elephant Talk. Um carequinha meio dentuço, na verdade Adrian Belew, empunhava uma guitarra da qual extraía estranhos sons que pareciam, de fato, elelfantosidades gritadas com fúria e atonalidade. Num cantinho, sentado, uma espécie de Lorde Inglês e preceptor, isto é, Robert Fripp, ficava dedilhando uma estranha guitarra com som de teclado, da qual extraía sons agudos e repetitivos, que se prolongavam dupla, triplamente, uns sobre os outros. Atrás deles um altão careca com bigodão, batia com duas mãos num braço solitário, grosso, o Stick, reverberando sons guturalmente graves. Era o Tony Levin. Bill Bruford, o baterista, o único que eu já conhecia do Yes, beiçudo, sincopava o ritmo toda hora, com contras e rolos numa Simmons (bateria digital) que criavam uma sensação de um eletrodoméstico desgovernado. Eu acabara de deparar com o King Crimson.

Além da famosa trilogia vermelho-azul-amarelo, o Crimson tem grandes álbuns nos 70, 80 e 90. Não podemos jamais esquecer do excentríssimo Línguas de Cotovia em Conserva (Lark's Tongues in Aspic). Guitarras distorcidas, atonalismo, estranhas combinações dinâmicas de intrumentos que se sucedem em uma sinfonia de climas exóticos, apimentados e idiossincráticos. Nunca se viu um prog tão rico. Em Red, o trio Brufford-Fripp-Wetton esgota todas as possibilidades dos 70, até em temas tipicamente guitarrísticos e meramente instrumentais. E a sequência Discipline-Beat-Three Of a Perfect Pair é uma das obras mais perfeitas da década de 80, do Head Rock, do Fusion e ainda, do Pop Rock.

Não é fácil de ouvir. Um estilo mesmo “coçante” da mente não pode ser algo fácil, pois eis aí uma das fronteiras a sem desbravadas pela ciência, nossa cuca. Não há limites para as sensações que se pode provocar ouvindo a música do King Crimson, para bem e, eventualmente pra o desconforto. Sim, porque antes de produzir algo simplesmente palatável, o que Bob Fripp e sua turma sempre quiseram mesmo foi incomodar um pouco.


segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

Memória - "Os Cabeludos"

Certo dia eles se encontraram e começaram a ensaiar. Na praia, pra suprir a demanda de grupos que tocassem Rock, coisa rara na época do início dos pagodes, funks, dance music e sertanejos na moda e outras oitentices decadentes. O bagulho era tocar Rock’n Roll e eles capricharam: Beatles, Rolling Stones, The Who, Eric Clapton. O Bar que queria os shows, lotara no ano anterior, 1991. Agora junto com a banda Ceres, integrada por Carlo Pianta e Biba Meira, remanescentes do De Falla, eles iriam incendiar as noites do Imbé, no Brodonhoca’s, que superbombou de novo em 92.

Três belas semanas de puro descanço e Rock’n Roll em Imbé City, morando na casa dos Irmãos Metz, Ângelo (Guitarra e Vocal) e Lorenzo (Bateria). Homero Luz (vocal) e Lawrence David (baixo e vocal) se lançavam na mais incerta e imprevisível jornada musical que um grupo de Rock, empreenderia no cenário de Porto Alegre até então.

Homero foi vocalista da Anos Blues, banda inovadora no cenário portoalegrense fazendo Rythm’n Blues no estilo Chicago. Lawrence integrou a Ópera Bufa e era músico de baile, enquanto Ângelo fazia faculdade de música e Lorenzo se iniciava na prática da bateria. Eram antes uma turma de amigos que tocavam as músicas de que gostavam.

Improvisavam sempre um repertório alternativo mais comercial. Até pagode, Jorge Benjor e carnaval tocaram. Foram provavelmente um dos primeiros grupos de Porto Alegre a conseguir uma mini-temporada como banda da casa na praia da Ferrugem próxima a Garopaba. No Show de Ano Novo 92-93, contaram com a presença do Robério, baixista do Camisa de Vênus, que veraneava ali desde muito cedo nos anos 80.

Em porto Alegre estrelaram muitas noites no Clube de Jazz, onde contavam com a canja eventual de Ianto Laitano, que formaria a Bilirrubina. Muitos músicos bons da noite viram o show e se encantaram com a performance dinâmica, que oscilava entre climas suaves e pesados, caprichando no virtuosismo instrumental, com todos os músicos cantando em ótimos arranjos vocais. A fama do grupo se espalhou e foram levados para o Da Vinci, bar da 24 de Outubro que abria, na onda do renascimento do Rock em 1992, impulsionada pelo fenômeno Nirvana, que, aliás, estava sempre no repertório dos Cabeludos.

A Apresentação, já com Lawrence tocando Fretless foi espetacular, deixaram todos boquiabertos e o dono de um estúdio onde a Pura Sangre ensaiava (banda que misturava TNT e Cascavelletes e teria o vocal de Homero) lhes deu o estúdio livre para que fizessem um repertório próprio. Com tudo na mão, aí estavam felizes. Uns dois dias depois, durante o que seria o primeiro encontro para preparar um disco, Ângelo e Lawrence se desentenderam por causa de uma bobagem em um arranjo de uma música – que não era grande coisa – que estavam fazendo. Ângelo deixou o estúdio dizendo que aquilo jamais daria certo, e foi o fim.

Eles até voltariam a se apresentar outras vezes, e até voltaram a trabalhar juntos em outros projetos, mas a chama cabeluda nunca mais voltou a brilhar.


Crônica – In The Begin de Begin

Nunca poderemos deixar de pensar que uma das eras de ouro de nossas existências foi a infância. É aquele período encantado em que todas as m...