quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

Crônica


 Educadores

O motorista viu que eu estava sozinho na parada e parou dez metros adiante, fui correndo pegar o ônibus e já ia subir e reclamar quando quase fui amassado por um jovem com uns fones de ouvido enormes e cantando alto. Me deu um ombraço no peito e subiu primeiro. Eu fiz uma cara feia mas ele nem ligou. Perdi a vontade de reclamar pro do volante. Passei na roleta e sentei no único lugar livre do ônibus. Perto da roleta, toda a hora as pessoas tropeçavam em mim. Eu estava meio pra fora do banco porque o cara do meu lado tinha as pernas bem abertas e olhava pro outro lado. Quando sentei ele abriu as pernas mais um pouco. Fiquei quase pra fora do banco. 

Na parada seguinte só tinha uma senhora de cabelos brancos que acenou, mas o motora não parou. Logo que passou, olhou com um sorriso malicioso para o cobrador e começou a falar, achando que tagarelava em “código”: “se a gente não cumpri o que o patrão qué, a gente se dá mau, né”. O cobrador sorriu de volta. Enfim, em um bolo de gente no ponto seguinte sobe uma heroína de uns 80 anos, mas inteira. Com alguma dificuldade, atropelada por uma moça que perguntou se o ônibus “vai pro Barra? me avisa quando for a parada do barra, tá?”, ela ultrapassa bravamente a roleta e descobre que não tem nenhum lugar pra ela sentar. Tento chamá-la para o meu, mas ela não me ouve lá do fundo do busun. Mas eu a ouço, timidamente, perguntar pra um rapaz de uns vinte e poucos anos de idade, cuja cara esta virada pra janela fingindo que não é com ele, “meu filho, deixa eu sentar?”, “eu cheguei primeiro minha senhora”, alguns em volta começam a olhar curiosos para a situação, “mas esse lugar é para idosos”, “não tem nenhum cartaz dizendo nada”, ele começa a ficar sem jeito apesar da negativa, a idosa desiste depois de dar um forte suspiro e fazer sinais negativos com a cabeça. Ninguém diz mais nada. Falo pro cobrador, “ô, cobrador, pede praquele rapaz lá”, e aponto, “ceder aquele lugar praquela senhora, ela tem direito”. O cobrador vira a cara. “Ô, cobrador, vai fingir que não é contigo, cumpadre?”, “eu não vou fazer nada”, e olha pro outro lado de novo. Não tive coragem de ir adiante. 

Cheguei na escola. Abri a porta da sala dos professores e uma colega aos berros diz “adoro essas notícias só de violência, estupro, terremoto, eu fico grudada horas vendo notícia disso”, a faxineira responde “ai, eu também, adoro, até jornal eu compro”. Uma diretora entra correndo pela sala e fala, “pessoal, colocaram palitinho de fósforo nas fechaduras das portas dos professores da área, mas nós já chamamos o chaveiro”, “não, de novo?”. 

Enquanto a galera vai ver de perto o que houve vou à cozinha pedir algum produto que me ajude a desgrudar o chicle da minha bunda, acho que peguei no ônibus e não vi. Passo pela sala da direção e vejo uma das professoras do currículo segurando um aluno que tenta agredí-la enquanto a ofende com palavrões escabrosos. Nem dou bola, vou para minha sala ver o que houve e meus alunos de longe dizem “aaaahhhh, ele veio, por que o senhor não ficou em casa?”. Senti um nozinho na garganta e transmutei em raiva. “Por que tu não ficou em casa?”, “ai, professor, puxa ...”. Depois de meia hora no frio, entramos. Começo a minha aula e tal. Três meninas no fundo da aula estão sentadas quase em roda, uma de costas pra mim, “ei vocês meninas, poderiam, por favor, parar de conversar pra eu poder dar aula? Obrigado”. Elas fazem caras de brabinhas. Recomeço, imediatamente elas recomeçam também. Paro de novo, “ô garotas vou ter que separar vocês? Não é sexto ano, vocês estão no nono ...”. Recomeço, nem dois minutos, bastou pra elas tagarelarem. “Tá, deu, tu senta lá, tu lá e tu lá, vamos, rápido que eu não tenho todo o dia”. 

Uma hora depois, dou uns exercícios e saio rápido para ir ao banheiro quando vejo uns pequenininhos fazendo guerra de maçã. Um deles tem a calça gorda. Tira a fruta do bolso, dá uma mordida, gospe no chão e joga, com toda a força na cabeça de uma menina que começa a chorar. A supervisora aparece e acaba com a cena. Volto correndo. Quando chego o corredor está cheio de frutas esmagadas misturadas com terra e papel picado. Três meninos da minha turma estão jogando futebol com um toco de cachorro quente. Fico possesso. Dentro da classe há duas meninas de pé em cima de uma carteira vendo tudo e gritando, “vai cara, dribla ele ...”, enquanto dois rapazes estão agarrados se soqueando no fundo da sala. Ai, não sei o que fazer. Levo pra direção, acalmo aqui … opto pela última alternativa. 

Recomeço, duras penas, a falar, batem na minha porta. Uma senhora que eu não conheço me aponta o dedo e começa a gritar, “o senhor não pode dar zero pro meu filho porque ele é um ótimo aluno, meu guri trabalha pra ajudá o pai dele que é paralítico e eu vou denunciar o senhor lá na secretaria ...”, até que uma moça aparece e diz, “mãe, não é esse professor aí, é lá da outra sala”, a mãe gritona não me diz mais nada e repete a cena duas portas adiante, vejo o colega perder a calma e responder na mesma moeda e penso, pra mim chega. Esse negócio de educação é muito complicado. 


Memória - "Hora H, ou O dia em que fui um Astro do Rock".

Postado Originalmente no blog http://musicaeomaximo.blogspot.com/, em 27/04/2011.

Do ponto de vista do sucesso, onde eu cheguei mais perto em termos de público, foi com a Hora H. Pra começar, foi uma banda onde eu dei o meu sangue. Foram cerca de 200 apresentações em cinco anos de existência (1992-96). Ela foi os meus bailes da vida. Eu era responsável por escolher, preparar e passar aos outros músicos as músicas que devíamos tocar. Isso era essencial pra a nossa produção ser bem-sucedida. Eu também marcava a hora nos estúdios para ensaiarmos com um baterista, fazia o contato com os donos de casas noturnas para combinar cachê, deslocamento e equipamentos.

Engraçado, esse grupo começou por acaso. Eu era o cantrabaixista do guitarrista Henrique Wilasco, o “Carlinhos”. Eu o conhecera através de Ronaldo, que tocava bateria em minha banda de garagem, a Ópera Bufa. Ele gostou do meu som e disse que estava montando seu grupo onde ele seria a estrela da Guitarra virtuose. Era fã de Joe Satriani. Eu não tinha exatamente amor por aquilo mas foi uma grande experiência por poder trabalhar com musica unicamente instrumental, e coisas novas é o que eu procurava na época. Não tinha muito know how ainda, era verde.

Em termos de show, a coisa ia de mal a pior. Depois de uma estreia mediana em um bar de classe alta em Porto Alegre, quase não tínhamos shows. E ainda tomamos um cano em um único show de uma bar de porão em Canoas. Ainda bem que o Carlinhos apareceu com a ideia. “vamos ali em Esteio, eu conheço uns caras que tocam em uma galeria e eles pelo menos deixam a gente fazer um show, já estamos com os instrumentos e caixas de som no carro mesmo ...”. Encaramos. O lugar era a Galeria Center, bem no Centro. Estava hiper-atrolhado. Acharam o nosso show legal. Nunca tinham visto, ali por aquelas bandas, um guitarrista que tocasse tão debulhantemente. Um vocalista, baixinho, com um jeito e uma voz que lembravam Léo Jaime, um pouco mais velho que eu, esperou acabarmos e veio falar comigo. Era ele, Renato Durão. “Tchê, tu toca superbem, estou pensando em montar uma banda, não queres me acompanhar na semana que vem?”

Pô, se eu queria, estava louco pra trabalhar com música e ganhar alguma grana. Só que tinha um problema. Nosso chefe. O dono do lugar, que nos dava bebida e rango liberados queria uma banda inteira, e não um cantor com baixista. “Tu não consegues montar uma banda pra semana que vem?”, me perguntou o Durão. Loucura total, né? Da noite pro dia, criar um grupo, nada fácil. Tarefa para o super baixista cientista Lawrence David. Tive que ser pragmático. Meu camarada de infância, grande amigo e vizinho, colega de Ópera Bufa e outras indiadas mais, Alexandre Farina era a solução. Já vinha atuando na Coverboys, outra banda de covers com algum currículo na noite. O Batera, Daniel Rosa, o Rosinha, faria as vezes de ritmista.

Corri como um louco aquela semana de outubro de 1991. Eu era meio pobre – desempregado, vagabundo – e não comprava discos havia séculos. Estava, portanto, bem desatualizado em termos de discografias. A ideia do Renato era um Pop Rock anos 80 – Cazuza, Legião, Barão Vermelho, Paralamas – todos fariam backing vocals e ainda haveria um repertório internacional em que apenas eu seria o cantor e ficaria como um segundo show, diferente e mais rockeiro. Finalmente eu seria um vocalista de destaque, coisa que já vinha ensaiando há tempos. Percorri o Menino Deus inteiro procurando Lps, daí gravei quatro cópias em fitas K7 com todas as músicas almejadas, distribuí para todos tirarem suas partes. Fiz cifras para todas as canções em xerox, compramos pastas com plásticos pra todos e conseguimos o estúdio do Ronaldo no bairro Assunção para nosso único ensaio da semana.

Não foi muito difícil, na verdade. Minha ânsia por definir minha vida, em um momento onde eu havia empacado na faculdade (mais uma vez) me forçou prazerosamente para aquilo. Sopa no mel. Na noite de estreia estava, como habitualmente, lotada a galeria. Mil figurinhas de todos os tipos, todas as tribos, mas principalmente jovens da noite de Esteio, Sapucaia e São Leopoldo, digitavam por ali. Nossa apresentação foi um delírio. Surgiu até, imediatamente, um fã clube que nos perseguia por onde quer que fôssemos. Acredito que aquele encontro musical foi um verdadeiro sucesso, pois a postura expressiva e correta de Renato, aliada à empolgação dos músicos por tocarem para uma plateia histérica e hipnotizada pelo volume dos instrumentos gerou, de fato, um som muito, muito legal.

Acho que permanecemos uns seis meses tocando ali. De banda da casa. Ganhando um cachê fixo que era de vinte e cinco dólares por noite, por músico, mais cerveja liberada e comida (controlada). Eventualmente tocamos sexta e sábado, outras em um dia ou no outro. Chegamos a tocar lá quinta-feira e no domingo também. É claro que pulamos às férias, onde não há movimento em cidade, só na praia – aliás a praia de 1992 foi realmente uma aventura, mas isso fica para uma outra história.

Aquela exposição toda ao Vale dos Sinos resultou em grandes extensões pra gente tocar. Fomos contratados, a partir desse ano como banda da casa de uma bar que ficava na Avenida Independência principal artéria da noite de São Leo. Nos rendeu muitas amizades, namoros, apresentações em vários estabelecimentos noturnos e até em outras cidades. Acompanhamos o sucesso do Manara, sua mudança para outro local maior, até sermos trairados em 1993, por supostos “amigos” a quem, inclusive, havíamos apresentado o dono da casa. É, eu começava a me desiludir com o meio musical e, perceber que quem tivesse mais dinheiro e papo, ganhava todo o espaço ao redor.

Há algumas histórias bem engraçadas sobre a Hora H, mas a mais curiosa é essa: fomos contratados pra fazer um réveillon em uma praia. Infelizmente Rosinha estava tocando com outros. Terminamos por colocar um cara que já conhecia nosso repertório, tinha experiência e era bom, mas com um problema, não podia beber que pirava e tocava tudo errado. Foi devidamente conversado no ensaio que ele teria que ficar de cara até o fim da noite. Tudo estava bem, ele fez uma boa performance, sem cometer erros de andamento. O palco principal foi desmontado e o patrão nos colocou em um tablado ao lado do bar, já que o show da virada fora na beira do mar. Quando percebi, o dito cujo, desmontando e remontando a bateria estava com umas três botijas ao lado e segurando outra. Fui até ele que, já cambaleante me soltou os cachorros e disse que estava bem e que eu fosse pra aquele lugar que ele ia tocar de qualquer jeito, sentou no banquinho e começou, de forma absolutamente doida e descompassada a fazer um “solo”. O público debandou, porque depois de 10 segundos de tocação seguiam-se outros 30 de pose de herói e rock star, erguendo as baquetas e acenando esfuziantemente. Ainda bem que o dono do bar entendeu e nos dispensou. Bateu um papo com o batera e entregou nosso cachê a ele. Quando fui lá pedir a grana, que era minha tarefa, cadê o rapaz? Sumiu! E o que é pior, com meu carro que ele estava dirigindo. Fiquei uma hora esperando, Ale e Durão deixaram pra pegar o cachê em outro momento e ainda me xingaram por tê-lo contratado, todos foram embora, inclusive nosso empregador. Fechou a birosca e eu lá fulo da vida. De repente ele chega. Todo brabinho, cheio de garrafas de cerveja, se queixando “do que fizeram com ele”, o humilharam, etc. Não queria me levar junto, já que eu dormiria na casa dele, mas dizia que era meu amigo. Na viagem até parecia melhor, mas quando chegamos, não quis me deixar entrar e me mandou dormir no carro, o que era insuportável pelo calor. Mas que furada inesquecível, tchê.

Acho que o grupo acabou porque eu cansei. Cansei de donos de bar exploradores que ficam chorando um cachezinho de merda e colegas traíras que roem o teu cantinho fazendo tua caveira. Cansei de ficar ouvindo rádio e correndo atrás dos últimos sucessos pop pra tocar no finde porque a competição entre as bandas aumentou e a programação da rádio mudou loucamente nos anos 90: no final eu já estava tocando carnavaizinhos e pagodinhos pra descolar um troco. Me cansei porque os meus colegas de empreitada deixavam tudo pra mim, não faziam nada e ainda reclamavam quando eu não parecia a fim de fazer aquele trabalho chato. Cansei de viajar pro interior, dormir em hotéis baratos, ficar 8, 10 ou 12 horas no ônibus e perder totalmente o ritmo do sono.

Quando a Hora H começou, não havia 5 bandas de covers em Porto Alegre capazes de fazer um bom baile como nós, só que não chegamos a ser conhecidos na capital, só no interior. Tocamos em cidades em todas as regiões gaúchas, nosso repertório tinha mais de 300 músicas! Tenho certeza que se voltássemos a estar juntos seria um encontro interessante. A Hora H me deu experiência, domínio de palco, aprimorou meu ouvido musical, me deu frieza e percepção do público como profissional e me ensinou a cantar e tocar baixo ao mesmo tempo. Enfim, me tornei músico.

Formação:

Lawrence David (contrabaixo e vocal)

Renato Durão (Violão e vocal)

Alexandre Farina (Guitarra e vocal)

Daniel Rosa (Bateria e Vocal) substituido por Aquiles Priester em 1993.


Obrigado a todos que apoiaram o grupo de alguma forma enquanto ele existiu.


Começando a Ouvir 1 - Frank Zappa

Essa coluna "Começando a ouvir" pretende ser um guia pra quem quer começar a curtir determinado artista, mas tem medo de escolher uma obra errada e não gostar. É uma preocupação besta? Mais ou menos. Uma experiência ruim com uma música ou filme pode te afastar do diretor ou compositor/cantor por um bom tempo, e aí até a fila passar pra ver ou ouvir de novo ...

Por isso escolhi de cara uma artista difícil, é importante gostar dele, pois sua obra é gigantesca, complexa e seminal para a música e para o Rock'n Roll.

Então, vamos lá.

Esse cara entrou em minha vida através dos amigos, e é sempre bom ter amigos bem informados e que cultivem a audiofilia como hobby. Melhor, que tenham dinheiro pra comprar discos... isso em minha época de jovem (anos 80/90) em que não havia internet. Hoje todo mundo compartilha tudo em todas as redes e plataformas. Há um excesso de compartilhamento e isso é bom, mas pode ser ruim também. Talvez muitos dos "novos audiófilos", entusiasmados, não tenham paciência pra ouvir uma música inteira, que dirá um álbum, ou mesmo apreciar uma obra inteira!

Isso é ruim, mas a seção Começando a Ouvir te leva lá!

Então vamos partir do pressuposto que apreciamos álbuns inteiros e até eventualmente os compramos via internet (porque ir a uma loja durante a pandemia tem seus riscos), por onde começaríamos com o Zappa?

Começarei por onde eu mesmo comecei. Então como eu dizia, um de meus amigos, que comprava discos, me apresentou um álbum duplo que tinha saído há pouco tempo (sim, o Zappa estava vivo ainda!).

THEM OR US - 1984 - Por que o Them Or Us é um bom álbum pra começar?
Em primeiro lugar porque é um excelente disco, duplo em vinil, ficou simples em CD e tem um pouco de tudo da obra de Zappa (que o autor intitulou de projeto-objeto). Tem canções tipo anos 50 de amor (a abertura "The Closer You Are") tem as engraçadinhas que podem provocar gargalhadas mesmo pra quem não entende as letras com "Frogs With Dirty Little Lips". Imagine um brejo, todos os insetos, répteis e anfíbios reunidos naquele clima tropical e caliente. "Sapos, com labiozinhos sujos, linguinhas sujas cobertas com moscas..." e por aí vai. Mas o nojo vem misturado com muita graça pela forma grave e cômica com que o compositor canta. E tem um contrabaixo slapiado que é a âncora da música, junto com muitos efeitos que simulam um ambiente florestal ... Obra prima. Mas além do nojo e da comicidade há mais um aspecto a realçar nessa canção, principalmente em seu final. Ela é um hino do brejo! Termina com um esfuziante e repetitivo "laralará, laralará, laralará, laralalálála", em ritmo de marcha, como um hino mesmo.
Tem o hino dos Dentistas, "Baby Take Your Teeth Out". Tem um apelo pra que EUA/URSS não destruam o mundo em uma linda (e hilária) canção cantada por Bob Harris "The Planet Of My Dreams".
Tem a música séria do Zappa também. "Sinister Footswear II", uma versão para banda da música composta para um balé! Sim é séria, tem aquelas frases/harmonias típicas de Zappa como tema central da música, mix de música erudita/Jazz. E a versão de "Wipping Post" dos Allman Brothers é sensacional. Gravada ao vivo (dá pra ouvir os aplausos no fundo) tem a energia da banda e do grande cantor que é Bobby Martin.
Tem uma regravação de "Sharleena" (belíssima rock/blues/soul ballad do álbum "Chunga's Revenge") que virou um reggae e é um dos pontos altos do disco com a incrível voz de Ray White predominando e o solo do filho do mestre, Dweezil Zappa (que já impressionava nessa época). 
Mas o ponto alto do disco sem dúvida, é a faixa que abre o lado três do antigo vinil. Mais uma vez cantada por Ray White "Stevie's Spanking" é irresistível à primeira ouvida. É um Rockão bluesado, com guitarras respondendo à letra, e que tem solo de um dos grandes e eternos pupilos de Zappa, Steve Vai, duelando com Dweezil. Essa é Sensacional! O que torna tudo ainda mais interessante é o tema da canção, bizarro mais uma vez: O espancamento do guitarrista Steve Vai, ele teria supostamente contratado uma moça para aplicar-lhe uma surra em uma ocasião sexual .. ouça a música e tire suas conclusões.

ZOOT ALLURES - 1976 - Esse é um dos melhores álbuns do Zappa, daqueles bons de ouvir de tempos em tempos. Também tem de tudo um pouco.
Ele foi uma colagem de coisas dispersas que o Zappa tinha de tempos próximos (ele gravava tudo!) em um momento em que a banda dele era somente o Terry Bozzio, baterista que está sentado no banco mais alto. O Patrick O'Hearn, (à esquerda) baixista, e o Eddie Jobson (à direita, no banco, multi-instrumentista) entraram depois que o disco estava pronto e não participaram, quer dizer, a própria capa já é um paradoxo, bem coisa de Zappa.
Sem baixista (tchau Tom Fowler) e sem tecladista (bye bye Jorge Duke), sem banda, o Zappa teve que se virar tocando contrabaixo e teclados, pianos, além de fazer o vocal principal em quase todas as músicas. 
Abre com Davey Moire cantando em falsete a engraçada "Wind Up Workin' In A Gas Station" onde o mestre fala da vida do norte-americano mediano, burro, aliás muitas músicas desse disco têm essa crítica como em "Wonderful Wino" e "Disco Boy".
Em seguida, uma das valsas instrumentais mais clássicas do véio, "Black Napkins". O cara recrutou às pressas o velho companheiro Roy Estrada pra fazer o contrabaixo em uma pequena turnê japonesa, ainda com o soprista e cantor Napoleon Murphy Brock e Terry Bozzio. A versão completa está no Bootleg "The Eyes of Osaka". Essa canção é uma bela introdução ao Zappa como guitarrista. Que solo! ele gira em torno de uma única variação harmônica que se repete e se repete. Hipnotizante.
Depois, uma das canções mais conhecidas do mestre, a longa lenta e bizarra "The Torture Never Stops". Essa já foi canção escolhida pela falecida e prestigiosa revista "Playboy", por ter mulheres gemendo de prazer durante a faixa! E mais uma vez o tema da canção é bizzaro: um asilo de loucos, sujos, maltrapilhos ... e a tortura nunca acaba. Além dos muitos e simultâneos solos de guitarra bem aguda que Zappa faz contrastar com sua voz grave e suplicante, tem um contrabaixo. Sim, um baixo tocado pelo próprio Zappa com maestria e solando muito. Delírio.
O lado B (ou 2) do antigo vinil abre com "Find Her Finer", que começa com a harmônica de Captain Beefheart, outro seguidor fiel de Zappa, com a vantagem de ser amigo de infância também. A canção é hipnotizante e comercial ao meu ver. Os vocais são um primor e levam a canção até o final, com o sensacional falsete de Roy Estrada.
Em "Friendly Little Finger" o experimentalismo toma conta e Zappa mistura coisas que foram gravadas com propósitos diferentes, para gravações diferentes, em andamentos e tempos diferentes. O resultado do dedinho amigo é no mínimo inusitado. É estranho, é bonito, é diferente, é curioso.
E tem a faixa título, "Zoot Allures", uma composição bem jazzística, outro clássico instrumental zappiano. A guitarra parece limpa, mas eis que surgem os feedbacks de guitarra ao fim de cada frase melódica. E eles fazem parte da melodia! Sensacional. As viradas de Bozzio são de mestre. As subidas de tom fazem parte da harmonia e aí o cara dá uma aula de como compor boas canções instrumentais. Elas preparam para o solo, no final, em fade out ...
"Disco Boy" é um clássico da tiração de onda zappiana sobre a "Disco" ou "Discoteque", principal música comercial do final dos anos 70. Essa tiração de onda continuaria com muita força e comicidade em "Dancin' Fool" do álbum Sheik Yerbouti. Essa fecha o álbum em altíssimo nível e dá vontade de ouvir de novo.
É, galera, acho que começando por esses dois está bem encaminhada a devoção a esse gênio, um dos mestres absolutos da música contemporânea e do Rock´n Roll.
Até a próxima.

Crônica – In The Begin de Begin

Nunca poderemos deixar de pensar que uma das eras de ouro de nossas existências foi a infância. É aquele período encantado em que todas as m...